Uma das principais funções do desenho no desenvolvimento infantil é a possibilidade de representação da realidade. Para a criança, o desenho corresponde à sua forma de ver o mundo. Representar o mundo, com suas situações e objetos no papel, é uma maneira de compreender, elaborar e se apropriar dos elementos do dia a dia.
"Quando uma criança veste uma roupa de mãe, admite-se que ela esteja procurando entender o papel da mulher", explica Maria Lúcia Batezat, especialista em Artes Visuais da Universidade Estadual de Santa Catarina (Udesc). "No desenho, ocorre a mesma coisa. A diferença é que ela não usa o corpo, mas a visualidade e a motricidade."
Desta forma, algo que está dentro da criança pede passagem para fora. Muitos teóricos caracterizam este processo como um jogo simbólico.
É certo também que certa dose de imaginação permeia estas produções. Como mostrou Henri Wallon (1879-1962) em seu conceito sobre sincretismo, o pensamento da criança se caracteriza pela ausência de diferenciação entre as informações que ela recebe do meio, as experiências pessoais e a fantasia.
Somando todas estas características, o desenho adquire um caráter altamente expressivo, sendo fundamental o reconhecimento de sua importância no cotidiano.
A partir destas ideias, mostro dois trabalhos interessantes. Ambos nos questionam sobre a expressividade presente nos desenhos infantis, sobre a realidade e a fantasia e sobre as relações estabelecidas entre elas.
O artista coreano Yeondoo Jung fez, em 2005, uma série fotográfica chamada Wonderland. Esta série
teve como proposta trazer para a realidade desenhos feitos por criança.
Durante quatro meses, Jung supervisionou aulas de arte em quatro jardins de infância de Seul, e coletou cerca de 1200 desenhos de crianças, entre 5 e 7 anos de idade. Selecionou 17 desenhos, interpretando a mensagem social contida em cada um deles. Depois, recrutou cerca de 60 adolescentes para participarem das fotografias.
Wonderland transforma desenhos em realidade sem o auxílio de programas de computador. Tudo é feito manualmente, como o cenário de um teatro.
A obra de Yeondoo Jung nos coloca diante da realidade, dos hábitos e da cultura de forma fantasiosa, permeados pelos olhos de uma criança.
Ao transformar a situação desenhada em algo real, o conteúdo do desenho se intensifica, tornando-se explícito aos olhos do adulto. A liberdade de expressão presente nos desenhos das crianças nos convida a ver a sociedade e a vida cotidiana de uma maneira nova. Sua estranheza estética, induz ao questionamento e à reflexão.
Outro trabalho que me chamou a atenção foi a produção da Child`s Own Studio. Sua proposta é dar vida aos personagens desenhados pelas crianças, transformado-os em bonecos macios feitos de pano ou pelúcia. Neste processo, o que conta é a originalidade presente em cada desenho e a surpresa ao vê-los fora do papel.
É preciso valorizar, entender e estimular o desenho. Em qualquer idade. Em qualquer lugar.
Para saber mais acesse: http://www.yeondoojung.com
http://www.childsown.com